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O poeta Ferreira Gullar, ao sentir seu quadro de saúde se agravar por causa de uma pneumonia, pediu à mulher, a também poeta Claudia Ahinsa, para não sofrer intervenções que prolongassem sua agonia. A alternativa dos médicos era que ele fosse entubado. “Se você me ama, não deixe fazer nada comigo. Me deixa ir em paz. Eu quero ir em paz”, pediu àquela que era sua companheira havia 22 anos. “Foi uma decisão muito dura para nós, para a família e para mim. Mas era o que tinha de ser feito”, disse Claudia, muito emocionada.

Quarto dos 11 filhos do comerciante Newton Ferreira e da dona de casa Alzira Ribeiro Goulart, que lhe inspiraria o nome literário, Ferreira Gullar bancou a publicação de seu primeiro livro, na capital maranhense, em 1949. “Um Pouco Acima do Chão” não teria lugar nas futuras edições de sua obra completa.

“A Luta Corporal”, seu segundo trabalho, saiu em 1954. Escrito solitariamente, quando já vivia no Rio (desde 1951), mas ainda tinha poucas conexões com o mundo literário, o livro soava como um salto radical em todas as dimensões – sonoras, gráficas, semânticas – e todas as possibilidades que a palavra impressa poderia oferecer.

Ele estava com os irmãos Augusto e Haroldo de Campos na Exposição Nacional de Arte Concreta, em 1956, considerada o marco inicial do movimento concretista, expressão poética fundamental do século 20. Porém a contribuição foi breve. Em 1959, formalizou a dissidência em relação aos irmãos Campos ao fundar o grupo neoconcreto, do qual participaram, entre outros artistas, Lygia Clark, Hélio Oiticica, Lygia Pape e Amilcar de Castro.

Nesse mesmo ano, saiu o ensaio “Teoria do não-objeto”, outro texto fundamental do movimento. Dentre as obras neoconcretas de Gullar, destacaram-se o “livro-poema”, o “poema espacial” e “poema enterrado” – um buraco cavado no terreno da casa do pai do artista Hélio Oiticica.

“Poema Sujo”. Na década de 70, durante a ditadura militar, o então militante do Partido Comunista e integrante da direção estadual do partido do Rio, Gullar teve de fugir do Brasil depois da prisão de outros dirigentes. Morou em Moscou, Santiago do Chile e Buenos Aires. As intensas recordações daquele tempo estão reunidas em “Rabo de Foguete” (Revan), livro em que Gullar se revelou um memorialista de mão cheia.

Em 1976, lançou o “Poema Sujo”, sua obra mais conhecida e ícone da resistência à ditadura. Foi num meio heterodoxo – uma fita cassete levada de Buenos Aires na mala do poeta Vinicius de Moraes, em abril de 1976 – que um dos grandes poemas brasileiros da década de 70 chegou aos leitores.

Em 1977, quando retornou ao Brasil, Gullar foi preso por agentes do Departamento de Polícia e Social no dia seguinte ao desembarque, no Rio. Depois de 72 horas de interrogatório, foi libertado graças à intervenção de amigos junto a autoridades do regime. Em 1980, quando fez 50 anos, teve sua obra poética reunida pela primeira vez na edição “Toda Poesia” e lançou “Na Vertigem do Dia”.

A convite de Dias Gomes, seu ex-camarada de Partidão, Gullar passou a integrar o núcleo de teledramaturgia da TV Globo, tendo escrito roteiros para séries como “Carga Pesada” e para a novela “Araponga”.

Prêmios. Gullar colecionava uma vasta lista de prêmios. Em 2002, foi indicado por nove professores dos Estados Unidos, do Brasil e de Portugal para o Prêmio Nobel de Literatura. Em 2007, seu livro “Resmungos” ganhou o Prêmio Jabuti de melhor livro de ficção do ano. Em 2010, foi agraciado com o Prêmio Camões, o mais importante prêmio literário da Comunidade de Países de Língua Portuguesa. No mesmo ano, foi contemplado com o título de Doutor Honoris Causa na Faculdade de Letras da UFRJ. Um ano depois ganhou o Prêmio Jabuti com o livro de poesia “Em Alguma Parte Alguma”.

O legado de Gullar é uma obra “sólida, inovadora, forte”, comenta Nélida Piñon, colega do poeta na Academia Brasileira de Letras. Ele completaria dois anos como imortal hoje.

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