Embora a primeira associação entre o vírus zika e o desenvolvimento fetal tenha sido a microcefalia, esse é apenas um dos aspectos de uma síndrome que ainda começa a ser compreendida pela ciência. Agora, pela primeira vez, um estudo brasileiro publicado na revista Radiology, da Associação Americana de Radiologia, compila os achados de imagens em bebês e fetos cuja mãe foi infectada pelo vírus e mostra outros impactos causados pelo micro-organismo.

“As imagens são essenciais para identificar a presença e a severidade de alterações estruturais induzidas pela infecção, especialmente no sistema nervoso central”, diz a principal autora do artigo, Fernanda Tovar Moll, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e vice-presidente do Instituto D’Or de Pesquisa e Educação. O zika parece ser mais perigoso quando transmitido da mãe para o feto no primeiro semestre da gestação, aumentando o risco de defeitos cerebrais severos no bebê, o que inclui a microcefalia. Nesse caso, a cabeça da criança é excepcionalmente pequena devido a uma interrupção no desenvolvimento do cérebro.

O vírus também foi associado a defeitos oftalmológicos, deficits de audição e problemas no crescimento. “O primeiro trimestre é quando a infecção parece ser mais arriscada. De um ponto de vista de imagem, as anomalias no cérebro são muito severas quando comparadas a outras infecções congênitas”, conta Deborah Levine, professora de radiologia da Faculdade Médica de Harvard, em Boston, nos Estados Unidos, e participante do estudo.

Apesar de o foco principal da mídia na cobertura sobre os efeitos tóxicos da doença ser a microcefalia, os pesquisadores observam que há uma variedade de anomalias cerebrais detectadas em fetos expostos ao vírus, como perda de volume de matéria cinzenta e branca, problemas no tronco cerebral, calcificações e uma condição chamada ventriculomegalia, na qual os ventrículos, ou espaços preenchidos por fluidos no cérebro, são alargados. Alguns bebês infectados por zika podem não ter microcefalia se os ventrículos ficarem excessivamente largos.

Retrospecto

Os pesquisadores fizeram um estudo retrospectivo de imagens e autópsias de pacientes infectados pelo zika do Instituto de Pesquisa de Campina Grande, na Paraíba, estado em que a doença se apresentou mais severamente. De junho de 2015 a maio de 2016, 438 gestantes e bebês estiveram no instituto, reportando eczemas e suspeita de anomalias no sistema nervoso. Desse grupo, os pesquisadores identificaram 17 fetos ou recém-nascidos de mulheres submetidas a exames de imagem ou que tiveram a infecção confirmada por meio de exames. Também entraram no estudo 28 fetos ou recém-nascidos com suspeita de infecção por zika e calcificações intracranianas.

Os exames de imagem incluíram ressonância magnética fetal, tomografia computadorizada pós-natal do cérebro, ressonância pós-natal e, em alguns casos, ultrassom longitudinal. As anomalias cerebrais detectadas nos grupos com zika confirmada ou suspeita foram muito similares. Quase todos os bebês tinham ventriculomegalia. Embora a maioria dos fetos tivesse circunferência encefálica reduzida, em três que tinham crescimento anormal dos ventrículos, o tamanho do crânio era normal.

As imagens também mostraram que 94% dos fetos e das crianças com caso confirmado de infecção apresentavam anomalias no corpo caloso, que é um grande feixe de nervos que permite a comunicação entre os hemisférios esquerdo e direito do cérebro. Todos, exceto um, tinham anomalias migracionais, significando que os neurônios não viajaram para seu destino apropriado dentro do órgão.

As calcificações intracranianas estavam presentes em quase todos os recém-nascidos, mais comumente encontradas na junção das matérias cinzenta e branca. Todos os bebês exibiram volume de tecido reduzido. Além disso, 100% dos —pacientes tinham algum tipo de anomalia no desenvolvimento cortical — rico em neurônios, o córtex é a área do processamento neuronal mais sofisticado do corpo. “A severidade da má-formação e das alterações teciduais associadas e a localização das calcificações na junção da matéria cinzenta-branca foram as descobertas mais surpreendentes em nossa pesquisa”, disse Tovar-Moll.

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