Após resistir durante 63 dias ao afastamento do cargo imposto pelo STF, Eduardo Cunha renunciou à presidência da Câmara atribuindo sua derrocada à vingança de Dilma — exatamente o que a “impichada” diz dele. Os dois inimigos seguem juntos, no abraço de afogados, pelo menos até agosto, agarrados à imunidade de seus mandatos, que lhes garante foro no STF.

Sem maiores opções, a não ser que partam para o “sincericídio”, resta a eles tentar prolongar ao máximo esse privilégio, vital em tempos de Lava-Jato. No caso de Cunha, a sobrevida, garantida por nova manobra nas comissões, contou com a decisiva ajuda de Temer e do PMDB — empenhados em se livrar de vez do intempestivo Waldir Maranhão, interlocutor de Lula e do PT em busca até de uma brecha jurídica para prosseguir com o impeachment de Temer.

Com pressa, os governistas marcaram a eleição do novo presidente para terça-feira, mas Maranhão insiste na quinta-feira. Por conta da publicação das duas datas, Maranhão exonerou o secretário-geral da Mesa. Cunha apresentou sua renúncia — e chorou ao mencionar a família — menos de 24 horas depois de sua mulher, Cláudia Cruz, ter enfim assinado, após duas tentativas, intimação enviada por Sérgio Moro.

Já ouvida pelo juiz, ela tem agora dez dias para apresentar sua defesa final no processo em que é acusada, junto com Jorge Zelada e outros dois réus do petrolão, de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. A conhecida rapidez de Moro para proferir sentenças, geralmente duras, desestabiliza o núcleo familiar.

A situação de Cunha tornou-se mais dramática também com a delação do ex-vice-presidente da Caixa Fábio Cleto, indicado por ele — e nomeado por Dilma e Guido Mantega. A confissão de Cleto levou à prisão do doleiro Lúcio Funaro, denunciado por usar “métodos mafiosos” e identificado pelo MP como operador de Cunha em desvios de R$ 52 milhões do FGTS.

Na carta-renúncia, ele mais uma vez nega tudo. A saída ajuda o governo provisório a tentar botar ordem na Casa. Um dos mais cotados para o mandatotampão é Rogério Rosso. A renúncia teve ainda o efeito imediato de encobrir a primeira derrota importante sofrida por Temer na Câmara, na noite de quarta: por quatro votos, o governo não conseguiu aprovar urgência ao projeto que trata da renegociação da dívida dos estados.

Ao mesmo tempo, Temer se desgastou por retirar o pedido de urgência presidencial, feito por Dilma, para três iniciativas anticorrupção, que trancariam a pauta. Numa operação desastrada, a liderança do governo foi incapaz não só de garantir quorum para o ajuste fiscal, mas também de esclarecer que as propostas de Dilma seriam examinadas junto com as dez medidas contra corrupção do MP — negociação acertada com Janot.

Cunha afastou-se da Câmara, mas permanece como sombra no Palácio do Planalto, ainda pouco sintonizado com a sociedade, que há muito espera a cassação do deputado. Grupos já convocam para 31 de julho atos pró- impeachment e de “apoio perene” à Lava-Jato.

Se na política não está fácil, na economia os desafios continuam monumentais — a começar por mais um déficit bilionário nas contas públicas em 2017. Além de novos impostos, um corte de R$ 7 bi nos benefícios dos mais vulneráveis, como inválidos e doentes, está mais uma vez entre as prioridades da Fazenda. Nada comparável, em valores individuais, às mordomias que Cunha, com a renúncia, começou a perder.

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