Uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (6) a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 241, que congela os gastos do governo federal por 20 anos e deverá ter impacto significativo no financiamento da educação. A PEC derruba a obrigatoriedade de o governo federal investir 18% do orçamento na educação, prevista na Constituição de 1988. A nova regra, no caso da educação e da saúde, é calcular o gasto com base no que for investido nas duas áreas no orçamento de 2017 e aplicar ano a ano a correção pela variação da inflação, sem vinculação com a receita.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) pretendia colocar a PEC em votação no plenário, em primeiro turno, na segunda-feira (10), mas pode ter de rever seus planos por causa da falta de quórum para iniciar os debates nesta sexta-feira (7). A proposta precisa do apoio de 308 dos 513 deputados em dois turnos de votação para chegar ao Senado – a aprovação em plenário exigirá o voto de 49 dos 81 senadores. O governo acredita que todo esse processo esteja concluído em novembro.
Apontada por seus defensores como um instrumento essencial para reduzir o déficit público e estimular a recuperação da economia em bases sustentáveis (veja mais abaixo argumentos em favor da PEC), a medida provocará perda significativa de investimento na educação, segundo diversos porta-vozes da comunidade educacional. A Agência Pública mencionou um estudo técnico realizado pela Câmara dos Deputados sobre os efeitos da emenda constitucional. “Os impactos na educação podem gerar, por exemplo, perdas na ordem de R$ 17 bilhões para o setor em 2025. Já no acumulado dos primeiros 10 anos, a perspectiva é de aproximadamente R$ 58,5 bilhões.”
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação criou uma página em seu site para alertar sobre os efeitos da PEC, que inclui um vídeo de 5 minutos. Para a Campanha, se a PEC for aprovada, “nenhum centavo novo vai chegar para construir escolas, pré-escolas, creches, melhorar as universidades públicas, a educação básica, o salário dos professores”. “Em resumo, a PEC 241/2016 praticamente inviabiliza as metas e estratégias do Plano Nacional de Educação 2014–2024.”
“Parece que estamos falando só do nosso presente ou só do Plano Nacional de Educação que se encerra em 2024, mas, na realidade, estamos falando de um período de 20 anos de vigência dessa proposta de diminuição do investimento em educação, saúde e assistência social”, sustenta o coordenador da Campanha, Daniel Cara. “E vamos viver 20 anos de finalização da possibilidade de o país ser de fato próspero e digno para sua população.”
A página da Campanha tem links para cerca de 60 conteúdos, como artigos com críticas à PEC, entre eles o de juristas que consideram a medida inconstitucional. Traz também a posição de entidades como a Undime, representante dos secretários municipais de Educação. “Para se atingir algumas das metas do PNE será necessária a criação de 3,4 milhões de matrículas na creche, 700 mil na pré-escola, 500 mil no ensino fundamental, 1,6 milhão no ensino médio e cerca de 2 milhões no ensino superior público”, alega a Undime. “Ou seja, ao invés de impor limite aos gastos sociais da União, é preciso ampliá-los.”
Outras associações também se manifestaram contra a PEC. A presidente do conselho do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), Maria Alice Setúbal, considera que a medida coloca em jogo o futuro do país. “O Brasil precisa superar inúmeros desafios, como incluir mais de 2,8 milhões de crianças e jovens que estão fora da escola, melhorar a qualidade do ensino, ampliar as matrículas em tempo integral, aperfeiçoar a formação inicial e continuada dos professores, garantir bons salários e planos de carreira a eles, entre outros. Isso só será possível com mais investimento e gestão responsável e transparente”, sustentou. “Em 2012, o Brasil investiu 6,1% do PIB em educação, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Parece muito. No entanto, o investimento anual por aluno é de apenas US$ 3.000, um terço do que é aplicado, em média, pelos países membros da OCDE: US$ 9.487.”
Para o Todos Pela Educação, a PEC representa um “retrocesso”. “O PNE possui 20 metas e dezenas de estratégias que objetivam a melhora da qualidade da educação do País. Para conseguir alcançá-las, o Brasil precisará gerir melhor o seu orçamento, bem como aumentar o que já é investido. Estabelecer um teto para a área para os próximos 20 anos significa ignorar a situação atual do ensino e se conformar com um futuro sem avanços.”
O TPE chamou a atenção para uma área específica que será prejudicada se o Congresso aprovar a proposta, a educação infantil. “O Brasil deveria ter universalizado neste ano a pré-escola para todas as crianças de 4 e 5 anos. Porém, dados mais recentes do IBGE, organizados pelo Observatório do Plano Nacional de Educação, mostram que em 2014 ainda havia 600 mil crianças dessa idade fora da escola (saiba mais aqui). Além disso, o país precisa ampliar o atendimento em creches para as crianças de 0 a 3 anos, de forma a atender 50% da população dessa faixa etária até 2024 – até 2014, essa taxa de atendimento era de 29,6% (veja aqui dados sobre creche no Brasil)”, afirma o Todos. “Garantir o acesso dessas crianças à educação infantil demanda mais recursos, o que pode ser comprometido pela PEC 241.”
Para o Ministério da Fazenda, a PEC é fundamental para reduzir o rombo orçamentário do Executivo – o que abriria espaço para a retomada do crescimento econômico e a queda da taxa de juros –, além de liberar recursos para investimentos em setores estratégicos, como infraestrutura.
“Precisamos restaurar o crescimento e, para isso, precisamos recuperar a confiança de que o governo consegue manejar suas próprias contas. E, a partir daí, podemos ter diminuição do total de recursos absorvidos da sociedade para financiamento da dívida pública. A história mostra que, no momento em que se controla as dívidas públicas, as taxas de juros caem”, disse o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. “Saúde e educação são prioridades nacionais de fato, mas não podemos começar quebrando o país. O problema da educação brasileira não é a quantidade de recursos que se coloca, e sim a qualidade. Isso demandará investimentos sérios e não será com alocação de recursos que resolveremos. Vamos manter os recursos para educação em termos reais.”
Representantes da equipe econômica contestaram a afirmação de que a PEC implica corte de gastos na educação. Segundo eles, a medida define um piso e o Congresso pode aumentar a destinação de recursos para o setor – a oposição, porém, alega que esse aumento de verbas terá de ser feito cortando recursos de outras áreas essenciais.
Durante a sessão da comissão especial, a base aliada usou em favor da PEC argumentos como o de que o governo precisa conter gastos de forma radical, porque o rombo das contas públicas chegará a R$ 170 bilhões este ano. Também destacou que a PEC não afeta repasses do Fundeb, fundo que financia o desenvolvimento da educação básica, nem de programas como o Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior).
Relator da PEC, o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), disse na sessão da comissão especial que a medida cria um orçamento “verdadeiro” e “vai empoderar o Congresso”. Perondi afirmou que o orçamento da União passará a seguir uma máxima que vem desde “antes de Cristo”: não se gastar mais do que se arrecada.
O governo bancou a publicação na quarta-feira (5) de anúncio em grandes jornais para falar da necessidade de solucionar a “grave situação das finanças públicas”. Um dos itens do texto tratou especificamente da área educacional: “O gasto do Ministério da Educação subiu 285% acima da inflação entre 2004 e 2014, mas as notas dos estudantes no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) praticamente não cresceram. Muita despesa e pouco resultado.”
Especializada na checagem das informações que orientam o debate público, a agência Lupa pediu ao Todos Pela Educação que analisasse os dados mencionados. Segundo a Lupa, o TPE chegou à conclusão de que o crescimento das despesas superou, sim, de longe a inflação no período citado, mas em porcentual menor, de 215,4%.
Quanto ao Ideb, a Lupa considerou falsa a alegação do governo. “Nos anos iniciais do ensino fundamental, a média nacional (no Ideb) foi de 3,8 em 2005 para 5,5 em 2015, ultrapassando a meta de 5,2 traçada pelo próprio governo para aquele ano. Nos anos finais do ensino fundamental, a nota subiu de 3,5 para 4,5 no mesmo período. A meta nessa etapa era chegar a 4,7. Por fim, no ensino médio, o Ideb saiu de 3,4, em 2005, para 3,7 em 2015.” (Fonte: Jeduca)