O setor de energia se mobilizou nesta terça-feira (21) para se posicionar contra uma MP (medida provisória) que prorrogaria subsídios e criaria custos adicionais para a conta de luz, elevando ainda mais essa despesa para famílias e empresas. Fontes que acompanham a redação do texto afirmam que os itens que serão incluídos ainda estão em discussão, mas o que foi vazado causou impacto no setor.
O que se conta é que a Casa Civil trata da redação, mas, como um texto do gênero demanda apoio do Ministério de Minas e Energia (MME), a pasta também passou a discutir o conteúdo.
A Frente Nacional dos Consumidores de Energia, a Abrace Energia e a União Brasil Energia, entidades que representam pequenos e grandes consumidores, incluindo as maiores indústrias do Brasil, enviaram cartas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ao vice-presidente Geraldo Alckmin solicitando que não assinem a medida provisória.
“Nós confiamos que todas as medidas seriam discutidas com transparência com o setor e estamos surpresos com o procedimento adotado. Nossa carta é para pedir ao presidente Lula que escute quem paga essa conta”, diz Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente.
“Ainda não sabemos se e como a MP vai sair, mas a prorrogação de subsídios vai na contramão do interesse do consumidor e da modernização do setor elétrico”, afirmou Paulo Pedrosa, presidente da Abrace.
A Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace) divulgou nota afirmando que recebeu com “assombro” a possibilidade de prorrogação de subsídios. O Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), que reúne 32 associações, enviou carta contra a MP ao ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia).
Houve reação até do segmento de mercado livre. “É surpreendente que a gente esteja tratando desse assunto quando a fala do ministro diz exatamente o contrário, que é preciso reduzir a tarifa”, diz Rodrigo Ferreira, presidente da Associação dos Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel).
É dado como certo que a MP vai prever a extensão por 36 meses do desconto de 50% para projetos de geração renovável pelo uso do fio da transmissão 0Tust e Tusd (sigla para tarifas de uso do sistema de transmissão e de distribuição).
A diferença do valor é dividida pelos demais consumidores. Pela regra atual, tem direito ao desconto quem protocolou projetos até março de 2022.
Estimativa preliminar da Abrace aponta que a extensão levaria a um adicional de R$ 6 bilhões ao ano dentro da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), que reúne subsídios do setor e são pagos na conta de luz.
O valor da CDE para ano que vem, sem esses novos custos, já está estimado em R$ 37,2 bilhões, 6,5% acima da conta deste ano.
A prorrogação do desconto do fio foi defendida inclusive por governadores do Nordeste. O Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste enviou ofício a Lula, ainda em maio deste ano, relatando que atrasos na finalização de novas linhas de transmissão comprometiam a viabilidade dos parques eólicos e solares e defendendo que seria mais adequado estender o desconto do fio.
Especialistas do setor são unânimes em afirmar que hoje fontes renováveis são rentáveis, não necessitando de incentivos, e que subsídios apenas ajudam as empresas do setor a ter lucros maiores.
O deputado Danilo Fortes (União Brasil-CE), que acompanha as discussões, afirmou à Folha que a medida provisória trata especificamente da prorrogação do desconto do fio para casar o prazo de conclusão do parque de energia renovável com a conclusão das obras de linha de transmissão de energia.
“Venho defendendo essa medida desde o fim do ano passado e ela vai viabilizar R$ 60 bilhões em investimentos no Nordeste”, afirmou.
Também circula a informação de que o governo cogita dar andamento a outros temas, que poderiam ou não ser incluídos na MP, e todas as alternativas acabam criando algum custo adicional para a conta de luz.
O relatório do deputado Zé Vitor (PL-MG) saiu há alguns dias, e a análise do conteúdo tem causado surpresa entre especialistas.
Uma das medidas que estão no relatório e eventualmente poderia ser incluída na MP é a permissão para que aportes da Eletrobras em fundos setoriais possam ser utilizados no abatimento de aumentos tarifários extraordinários acima de 15%. Essa emenda poderia aliviar especialmente a conta de luz do Amapá, que vem causando polêmica e há pressa em solucionar o problema.
A Equatorial Energia comprou a antiga CEA (Companhia de Energia do Amapá) em 2021. A concessionária estava endividada e o novo contrato de prestação de serviços exige altos investimentos.
Para cumprir todas as demandas, a empresa teve direito a fazer um reajuste extraordinário, estimado em 44,41%, pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Em agosto, o próprio presidente Lula, em entrevista a rádios da região, criticou a privatização da distribuidora durante o governo Jair Bolsonaro (PL) e acusou a Equatorial de assaltar o consumidor do estado.
Aos ouvintes, Lula disse que trataria do tema com carinho e buscaria soluções. Neste mês, a questão esquentou. Foi debatida na Comissão de Infraestrutura do Senado.
O projeto também traz alternativas para viabilizar as chamadas térmicas jabutis da lei de privatização da Eletrobras.
Trata-se da obrigatoriedade de instalar 8 GW (gigawatts) de usinas a gás onde não há gás ou mercado consumidor, o que demandaria a construção de gasodutos para levar o insumo e de linhas de transmissão para direcionar a energia até centros consumidores. Procurados pela Folha para explicar as propostas, Casa Civil e Ministério de Minas e Energia não responderam até a publicação deste texto. (Alexa Salomão/Folhapress)