Dois anos após firmar a compra, da Petrobras, da Refinaria de Mataripe, na Bahia, a Acelen, controlada pelo Mubadala, o fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos, assinou com o governo baiano um memorando de entendimentos para a construção de uma planta de diesel verde (HVO) e querosene de aviação sustentável (SAF). O investimento será de R$ 12 bilhões nos próximos dez anos, informou a empresa. A previsão de desembolsar entre 50% e 60% do total nos primeiros quatro anos.
A expectativa é produzir 1 bilhão de litros por ano, o que vai reduzir em até 80% as emissões de CO2 com a substituição do combustível fóssil. A nova planta vai utilizar a infraestrutura da Refinaria de Mataripe, como água, energia, vapor e o Terminal Madre de Deus (Temadre), adquirido junto com a unidade. Será construída uma unidade de geração de hidrogênio sustentável, para o hidrotratamento dos combustíveis. A previsão é iniciar as obras já em janeiro de 2024.
O memorando com o governo da Bahia foi assinado neste sábado, 15, em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos. Na volta da visita oficial à China, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou em Abu Dhabi, também na manhã deste sábado, 15, para uma reunião com o presidente dos Emirados Árabes Unidos, Mohammed bin Zayed Al Nahyan, no Palácio Presidencial. Lula retorna ao Brasil no domingo, 16.
O documento assinado com o governo baiano prevê a criação de grupos de trabalho sobre inovação, ciência, tecnologia e logística, para avaliar, entre outras, as medidas necessárias para melhorar as vias de acesso à refinaria.
Em um primeiro momento, a produção de 20 mil barris diários de diesel verde (HVO, ou Hydrotreated Vegetable Oil) e querosene de aviação sustentável (SAF, ou Sustainable Aviation Fuels) será feita a partir da soja ou do milho. Mataripe tem capacidade para refinar 300 mil barris de petróleo por dia, ou 14% do consumo nacional de combustíveis.
A partir do memorando assinado com o governo da Bahia, estudos serão feitos para desenvolver o uso da macaúba, que será a matéria-prima da Acelen em pequena escala em 2029 ou 2030, e que vai atingir a produção plena a partir de 2035, informaram ao Estadão/Broadcast o vice-presidente de Relações Institucionais, Comunicação e ESG, Marcelo Lyra, e o vice presidente de Novos Negócios, Marcelo Cordaro.
Impacto
A segunda fase do projeto prevê o plantio de macaúba em área de 200 mil hectares, priorizando terras degradadas, o equivalente a 280 mil campos de futebol. Serão utilizadas plantações em larga escala e familiares, com previsão de gerar cerca de 90 mil empregos e um impacto econômico de R$ 85 bilhões nos próximos 10 anos. “Eu costumo dizer que esse negócio é ESG (sigla para ambiental, social e de governança) na veia”, disse Lyra sobre o impacto socioambiental que a nova planta terá na região.
De acordo com Cordaro, na primeira fase do projeto, a ideia é exportar toda a produção. Os primeiros embarques estão previstos para acontecer no primeiro trimestre de 2026. Os mercados visados são os Estados Unidos, Canadá e alguns países da Europa.
A primeira fase visa apenas o mercado internacional porque o Brasil ainda não tem regulação para o uso do diesel verde. O executivo explica que o diesel verde, ou renovável, que será produzido pela Acelen substitui 100% do diesel fóssil, ou seja, pode ser usado com os mesmos motores usado com o diesel normal, sem nenhuma alteração, resíduo ou dano.
“Quando o Brasil ajustar o ambiente regulatório, a gente começa a mirar o mercado local”, disse Cordaro.
Pesquisa
Na segunda fase, a vantagem da macaúba como matéria-prima, segundo o executivo, é que a planta nativa gera muito mais energia por hectare por ano do que a soja ou similares. Para chegar lá, entre R$ 2 bilhões e R$ 2,5 bilhões serão investidos na pesquisa da semente até o refino da macaúba.
“A macaúba é uma árvore nativa a ser domesticada, e a gente vai trabalhar na domesticação da macaúba, no domínio genético até a produtividade de cultivo e extração, gerando todos os produtos que o óleo de macaúba pode gerar: óleo, fibra e proteína”, informou.
Acordos estão sendo fechados com institutos de agronomia, como a Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, conhecida pelos estudos da genética de macaúba; o Instituto Agronômico de Campinas; a Embrapa; e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (USP); entre outros.
“Estamos também fechando com instituições internacionais que têm interesse nesse desenvolvimento aqui, e que pertencem a alianças agronômicas globais”, afirmou Cordaro.
Com a concretização do projeto, a Acelen pretende se tornar um dos líderes mundiais no segmento de produção de biocombustíveis a partir de culturas agrícolas de alta energia, desde o plantio das sementes até a produção dos combustíveis renováveis, destacou Lyra.
“Estamos cumprindo a promessa de ser um ator relevante na transição energética. Estamos falando de R$ 12 bilhões. O fato de trazer para o mercado de refino um agente (Mubadala) com essa capacidade de investimento permitiu que, um ano depois da compra (da refinaria), já estejamos trabalhando e anunciando investimento superior aos US$ 1,8 bilhão (da aquisição) em combustível renovável”, ressaltou.
A Acelen investiu R$ 500 milhões, em 2022, para modernizar a planta adquirida da Petrobras e vai repetir o mesmo desembolso este ano. De acordo com Lyra, o mesmo será feito em 2024 e 2025. “A planta de combustível fóssil continuará a ser modernizada”, afirmou.
Refinarias privadas
O anúncio do investimento bilionário vem num momento de incerteza sobre a participação privada no setor de refino de combustíveis no Brasil. Nos governos Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), a Petrobras focou na produção de petróleo e gás, principalmente nos campos da camada pré-sal. Com a volta do PT ao governo federal, vendas de plantas que já estavam com a negociação perto do fim até poderão ser concretizadas, mas a expectativa é que a estratégia de vender o parque de refino da Petrobras seja deixada de lado.
A guinada é coerente com a expectativa de mudança na política de preços da estatal. A participação de empresas privadas no setor de refino requer que a Petrobras pratique preços de mercado, alinhados com os praticados internacionalmente. Isso porque refinarias privadas compram o petróleo a preços internacionais. A Acelen tende a praticar preços superiores aos da Petrobras.